sábado, 14 de janeiro de 2012

A experiência da família no cuidado domiciliário ao doente com câncer: uma revisão integrativa

Juliana Stoppa Menezes RodriguesI, Noeli Marchioro Liston Andrade FerreiraII

I Enfermeira, Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal de São Carlos. São Carlos (UFSCAR), SP, Brasil. E-mail: enf_juliana@hotmail.com.
II Enfermeira, Doutora em Enfermagem, Professor Associado, UFSCAR. São Carlos, SP, Brasil. E-mail: noeli@ufscar.br.



RESUMO

A inserção da família na assistência é um desafio, com o aumento da cronicidade é uma realidade observada especialmente nos cuidados domiciliários. Este estudo objetivou buscar e avaliar evidências científicas sobre a experiência da família no cuidado domiciliário ao adulto com câncer. Revisão integrativa de literatura, realizada nas bases LILACS, BDENF, SciELO, MEDLINE utilizando as palavras-chave “família”, “neoplasia“ OR “câncer” e “cuidado domiciliar” OR “assistência domiciliar”. Critérios para seleção: publicações indexadas nas bases de dados escolhidas e palavras-chave selecionadas, publicadas até dezembro 2010, com textos completos disponíveis.  Foram identificadas 16 publicações e possibilitaram analisar a experiência da família no cuidado domiciliário, mostrando sua crescente inclusão e busca por apoio. A família encara o câncer como ameaça a vida, o impacto do cuidado e a importância da espiritualidade no enfrentamento foram apontados. Portanto, prover suporte a família é fundamental para melhorar a qualidade de vida dos pacientes com câncer.

Descritores: Assistência domiciliar; Neoplasias; Família; Enfermagem familiar.


INTRODUÇÃO

Cuidar de doentes em casa é uma prática antiga, mas com a institucionalização dos serviços de saúde, as exigências da vida moderna e os avanços da medicina deixaram de ser rotineira. Atualmente, com o envelhecimento da população, o aumento das condições crônicas e a política nacional do Sistema Único de Saúde (SUS) visando a desospitalização, essa prática tem sido resgatada, estimulando o cuidado domiciliário com a participação da família.
O cuidado domiciliário tem ganhado mais espaço, principalmente, na atenção as doenças crônicas, como o câncer. Este por ser de progressão lenta e ter um curso frequentemente prolongado, exige adaptações e mudanças no estilo de vida não apenas do doente, mas de sua família, pois esta passa a ter em casa uma pessoa que necessita de cuidados específicos(1).
Neste contexto, a assistência integral ao doente oncológico tem se tornado um grande desafio, especialmente, quando este se encontra dependente e/ou em fases avançadas da doença, necessitando de maior atenção e cuidado por parte da família. A assistência domiciliária envolve não apenas a prática do cuidado em si, mas abarca ações de promoção e prevenção, o tratamento da doença e a reabilitação, situações que se correlacionam com questões sociais específicas, como políticas de saúde, habitação, emprego, saneamento básico e condições de vida(2-3). Por esse motivo, o cuidado domiciliário precisa ser planejado e desenvolvido de acordo com a necessidade e realidade de cada família(2-3).
Os cuidados domiciliários realizados por familiares sofrem influências oriundas das experiências de vida da família, tal influência pode ser observada em todo o processo e evolução da doença; desde o início, com a confirmação do diagnóstico, até a fase final, de cura ou morte(4-5). Ao considerar o doente dentro de seu contexto familiar e por serem sujeitos ativos em todo o curso da doença, o cuidado domiciliário é extremamente complexo(6-7).
Por isso, conhecer como a família experiencia o cuidado domiciliário dispensado à pessoa com câncer e as concepções frente a essa assistência traz esclarecimentos para implementar uma assistência adequada às reais necessidades do binômio doente-família(3,8).
Essas condições justificam o interesse em desenvolver uma revisão integrativa sobre as produções científicas em cuidado domiciliário ao doente com câncer e a participação da família nessa assistência, para interpretar o conhecimento produzido nessa temática, visando guiar a prática e o desenvolvimento de futuras investigações. Nesse aspecto, a questão norteadora é: Qual o conhecimento científico produzido sobre a experiência da família do doente com câncer no cuidado domiciliário?
Frente a isso, o objetivo do presente estudo foi buscar e avaliar as evidências disponíveis na literatura sobre o conhecimento científico produzido relacionado à experiência da família no cuidado domiciliário ao doente adulto com câncer.

METODOLOGIA

Optou-se pelo método de pesquisa Revisão Integrativa da literatura, cuja finalidade é reunir e sintetizar resultados de pesquisas anteriores sobre um delimitado tema ou questão, de maneira sistemática e ordenada, contribuindo para o aprofundamento do conhecimento do tema investigado, cooperando para que os resultados de pesquisas se tornem mais acessíveis(9-10).
As revisões integrativas seguem os pressupostos da PBE (Prática Baseada em Evidencias), possuem o mesmo rigor de pesquisas primárias e se torna uma estratégia metodológica na investigação de temas com estudos insuficientes ou lacunas no conhecimento. Para a realização da revisão integrativa utilizou-se as seis etapas propostas: 1) identificação do tema e formulação da questão norteadora, 2) busca na literatura e seleção criteriosa das pesquisas, 3) categorização dos estudos encontrados, 4) análise dos estudos incluídos, 5) interpretação dos resultados e comparações com outras pesquisas, 6) relato da revisão e síntese do conhecimento evidenciado nas pesquisas(10).
Quando o foco de uma revisão se limita a dados numéricos extraídos substancialmente de pesquisas quantitativas, a seleção da amostra é baseada em atender ou não os critérios de inclusão quanto à população, intervenção e conclusões de interesse clínico, porém, quando as pesquisas são qualitativas e focam aspectos subjetivos, não há preocupação em mensurar níveis de evidência, construir conceitos e formular condutas(11).
Tendo como foco a experiência da família no cuidado ao doente com câncer é de se esperar que nossa revisão reúna pesquisas eminentemente qualitativas. Nesse sentido, para a manutenção do rigor científico, a inclusão dos artigos nesta revisão foi baseada nos critérios adotados por Estabrooks et al(12), ou seja, estudos que concentraram a mesma população (doente adulto com câncer) e estudos com abordagens de investigação semelhantes (pesquisas que discorrem sobre a experiência da família dessa população).
Autores afirmam que a síntese de conhecimentos não necessariamente está limitada a resultados obtidos em pesquisas quantitativas, pois uma compreensão crítica de dados qualitativos gera informações relevantes para a prática clínica, não referente à eficácia de uma dada intervenção, mas sim, referente ao impacto de uma intervenção sobre uma determinada população(11,13-14).
Os métodos para se realizar uma revisão de estudos qualitativos ainda estão em construção, e embora haja investimentos em pesquisas que buscam a identificação das melhores estratégias de integração dos resultados, são diversas as maneiras propostas(11).
Assim, optamos pela metodologia utilizada em uma Revisão Integrativa sobre as pesquisas de enfermagem oncológica no Brasil(13) que considerou em todo seu processo os pressupostos de pesquisadores que atuam com revisões de publicações qualitativas.
Após a formulação da questão a ser pesquisada, foi realizado um levantamento bibliográfico via internet em quatro bases de dados: LILACS (Literatura Latino-Americana em Ciências de Saúde, disponível em http://www.bireme.br), BDENF (Base de Dados Bibliográficos Especializada na Área de Enfermagem, disponível em http://www.bireme.br), SciELO (Scientific Electronic Library Online, disponível em http://www.scielo.br) e MEDLINE/PUBMED (Medical Literature Analysis and Retrieval System on-line, disponível em http://www.bireme.br).
A internet tem se tornado um instrumento de grande valor científico, por facilitar o processo de busca de informações nas bases de dados. Para o levantamento foram utilizadas as palavras “família”, “neoplasia“ OR “câncer” e “cuidado domiciliar” OR “assistência domiciliar”, nos idiomas português, inglês e espanhol acompanhados da expressão boleana AND.
Os critérios utilizados para a seleção da amostra foram: publicações indexadas nas bases de dados escolhidas e palavras-chave selecionadas, publicadas até dezembro 2010, cujos textos completos tinham disponibilidade pública.
As publicações foram lidas na íntegra e um instrumento de coleta de dados foi desenvolvido e preenchido para cada uma, contendo critérios que permitiram a investigação das várias dimensões dos estudos e também a obtenção de dados específicos, como título, autores, fonte, objetivo, metodologia, sujeitos, principais resultados e conclusões(15).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A princípio foram encontradas 92 referências nas bases de dado: LILACS (13), BDENF (10), SciELO (04) e MEDLINE/PUBMED (65).
Após a sobreposição destes foram excluídas 40 publicações repetidas, permanecendo 52 referências distintas, porém, apenas 30 continham o texto completo para disponibilidade pública e destes quatro foram eliminadas por ser em idioma japonês (03) e sueco (01). Após a leitura dos resumos, cinco artigos foram eliminados por não corresponder à temática proposta e cinco por se tratar de crianças. Das 16 publicações restantes, nove eram da LILACS e sete da MEDLINE. As publicações estão descritas no Quadro 1, classificadas segundo a ordem em que foram encontrados durante o processo de busca.
quadro1

Caracterização das publicações

A análise criteriosa das publicações possibilitou a obtenção das informações mais relevantes. Assim, das 16 publicações analisadas, três eram reflexões (P7, P10, P12) que discorreram, além da temática, os aspectos que permeiam a decisão de cuidar ou não no domicílio e o apoio e cuidado integral ao doente com câncer.
Cinco pesquisas (P1, P2, P11, P13, P14) focaram a família como unidade de cuidado, quatro (P6, P8, P15, P16) destacaram as vivências dos principais cuidadores familiares, três (P3, P5, P9) trouxeram a visão dos doentes sobre o cuidado no domicílio e uma (P4) focou as estratégias de amparo à família do doente com câncer. 
Com relação ao ano de publicação, observou-se que um artigo foi publicado em 1996, havendo uma pausa de quatro anos para os artigos posteriores, um artigo foi publicado em 2000, seguido de dois anos sem publicações sobre a temática. A partir de 2003 houve publicações anuais, sendo três em 2003, uma em 2004, duas em 2005, duas em 2006, duas em 2007, uma em 2008, duas em 2009 e uma em 2010.
Esse fato demonstra que a preocupação com os cuidados domiciliares prestados pela família aos doentes oncológicos é algo recente. A tendência de indicar a permanência de doentes crônicos em casas, sob os cuidados de sua família visa à redução de custo da assistência hospitalar, em muitos países, inclusive no Brasil. Porém, esse fato tem sido discutido recentemente e ainda não se tem diretrizes para guiar o doente e seus familiares nesses cuidados. Daí a necessidade de que, ao se propor que a família preste os cuidados domiciliares, a estrutura familiar seja examinada quanto ao preparo e competência para cuidar de acordo com a cultura e crenças onde os cuidados serão desenvolvidos(16-17).
Com relação à autoria, 75% são enfermeiros e 25% são profissionais de saúde de outras áreas (médica e políticas públicas). Dentre os artigos analisados, 75% estão publicados em periódicos nacionais, e 25% internacionais, sendo 18,6% originários dos EUA e 6,4% da Europa.
Com relação à distribuição demográfica nacional, os artigos foram desenvolvidos exclusivamente nas regiões sul (56%) e sudeste (18%); mesmo sendo considerada a região mais desenvolvida do país, a Região Sul possui aproximadamente 28 milhões de habitantes, o que corresponde a 14,6% da população nacional e por ter altas taxas de urbanização, desenvolvimento socioeconômico e um grande número de idosos, o perfil do câncer na região se diferencia do perfil nacional, possuindo características semelhantes a dos países desenvolvidos, isso justifica uma maior preocupação em desenvolver produções científicas dessa temática.
Quanto ao veículo de publicação, temos que 63% foram publicados em periódicos específicos de enfermagem, 13% em revista de saúde com ênfase às pesquisas de enfermagem e 6% tese de enfermagem, destacando o fato dos enfermeiros serem importantes agentes de saúde na inclusão da família nos cuidados(18-19).
Os artigos analisados trouxeram objetivos diversos com relação à experiência da família no cuidado domiciliário ao doente oncológico, dentre eles destacam-se: desvelar as concepções destes familiares; conhecer como eles vivenciam esse cuidado; saber o que sentem com relação aos cuidados; avaliar suas experiências; compreender as formas desses cuidados; compreender a vivência dessa família; discutir modelos de cuidados domiciliários; captar a essência desses cuidados, dentre outros.
Ao analisar as abordagens metodológicas dos artigos estudados houve dificuldade em identificar a metodologia utilizada, uma vez que, nem sempre estava explícito o método: 44% deixaram claro a utilização de um referencial metodológico qualitativo (fenomenologia 25%, interacionismo simbólico em 13% e pesquisa-ação 6%), 18,5% dos estudos tratavam-se de reflexões, 13% eram de estudos descritivo-exploratório, 6% citavam apenas o uso da Análise de Conteúdo de Bardin como técnica; e por fim 18,5% não especificaram nenhuma abordagem.
Estudos quantitativos permitem mensurar a importância da família no contexto do cuidado, a gravidade de sobrecarga de trabalho da família com relação aos cuidados, os riscos em desenvolver cuidados errôneos por déficit de conhecimento, além de tendências de agravos de saúde aos doentes e/ou dos membros familiares. Enquanto que as abordagens qualitativas permitem descrever as experiências da família, atribuir significados e sentidos às suas percepções, explorar e interpretar o fenômeno para compreendê-lo sob o ponto de vista das pessoas que o experienciam. Ambas as abordagens metodológicas podem ser utilizadas trazendo complementaridade, gerando novos conhecimentos(11).
Embora, os pesquisadores tenham aumentado seu interesse em estudos com abordagem metodológica qualitativa, o reconhecimento desse esforço não tem sido suficiente para aumentar a credibilidade e elevar o status dessas pesquisas(14). Na perspectiva da Prática Baseada em Evidências (PBE) há reconhecimento da importância de tais pesquisas, mas ainda são poucas as pesquisas que trazem em seu texto implicações práticas ou indicações de futuras investigações, para a área de saúde(11,13).
Tal situação se dá pelo fato das evidências obtidas de estudos qualitativos ainda serem marginalizadas do processo de decisão quanto à assistência à saúde, embora os achados de pesquisas qualitativas também possam servir de base na tomada de decisões práticas/assistenciais, pois exploram, principalmente, crenças e valores, expectativas e compreensão dos doentes, familiares e/ou profissionais, trazendo consigo um quadro teórico que pode ser agregado a modelos médicos assistenciais(11)
Tais modelos, ao serem sintetizados sistematicamente, com rigor científico, permitem a descrição das características e métodos utilizados e, a organização de seus resultados possibilita a melhoria da prática baseada nas evidências geradas(11). Nesse sentido, também quando aplicado às pesquisas qualitativas sintetizam resultados que viabilizam uma melhor compreensão e uma nova interpretação dos fenômenos, trazendo contribuições contextuais para a prática.
Assim é que com a análise detalhada dos artigos, foi possível identificar as temáticas trazidas pelos textos e obter um melhor esclarecimento sobre como a família experimenta o cuidado domiciliário ao doente com câncer, sendo elas: o câncer como ameaça; sentimentos e emoções que emergem do cuidar; a inclusão da família na tomada de decisões; a busca por apoio; as dificuldades do cuidar em domicílio; a importância da espiritualidade; a experiência com a situação de terminalidade; as necessidades de adaptação a uma nova situação; a motivação para o cuidado; e a importância dos profissionais de saúde para o suporte ao cuidado domiciliário.
A seguir o conteúdo dos artigos será apresentado e discutido, sendo esses identificados por algarismos arábicos segundo o Quadro 1.
A análise das publicações confirmou o fato da família encarar o câncer como uma ameaça de morte, uma doença que demonstra a fragilidade do ser humano, cujo diagnóstico está associado ao medo, a perdas e sofrimentos (P1, P5, P11 e P14). Assim, a necessidade de prestar cuidados domiciliários gera na família e no doente uma gama de emoções: sofrimento, medo, sentimentos de culpa, desesperança, angústia, tristeza e insegurança, em contraste com o poder das crenças, esperança, sentimentos de gratidão e fé. Foram citados diversas emoções e sentimentos, tendo um ou outro maior destaque conforme o sucesso ou insucesso do tratamento, independente do quão desafiante possa ser vivenciar essa experiência (P2, P6, P9, P11 e P12).
Estudiosos da área consideram que o processo de cuidar de um doente com câncer no domicílio gera na família sentimentos de angústia, sofrimento psicológico, medo do sofrimento físico do doente, medo do desconhecido como uma cirurgia ou tratamento, meda da morte, desespero e impotência diante dessa situação(2,6). A dimensão desses sentimentos demonstra uma urgência em desenvolver pesquisas nessa temática, além de ações diretas e treinamento das equipes de saúde para que encontrem respostas às suas dúvidas e estejam preparados a fornecer a melhor assistência possível ao doente com câncer e seus familiares(6).
A importância da família nas decisões de tratamentos/internações e na participação do planejamento dos cuidados também foi investigada. O crescente destaque à família tem resultado em mudanças na maneira de como ela é vista no processo saúde-doença. No passado, atribuía-se à família apenas um papel na esfera afetiva do doente. Hoje, permitir à família participar do processo e da tomada de decisões com relação ao doente implica em mudanças significativas na prática profissional, destacando a necessidade de conhecer os grupos envolvidos no processo de produção social da saúde e respeitar suas especificidades. É preciso compreender a família como uma unidade de cuidado, conhecê-la, identificar as forças, as dificuldades e os esforços e através desse conhecimento, analisar e implementar com todos, a melhor assistência possível (P1 e P14).
Da mesma forma outros pesquisadores relatam que é de fundamental importância que a equipe de saúde considere a experiência da família para compreender não apenas como o cuidado se dá, mas como o familiar cuidador se percebe diante da dificuldade de assistir um doente(6-7,16-17). Quando a família se percebe diante de tal dificuldade sem um suporte, a equipe precisa estar preparada para intervir, direcionando-a na busca de apoio social, como uma estratégia de preservar a saúde do próprio cuidador e restabelecer de maneira saudável o processo de reabilitação do doente(7).
Na experiência da família do doente com câncer cuidado no domicílio, os artigos relatam a busca da família por uma rede social e apoio social, seja na comunidade ou no sistema formal de saúde; além disso, juntamente a essa análise, discorrem sobre as dificuldades em encontrar auxílio nos sistemas de saúde e a necessidade de ter uma equipe que acompanhe a família e o doente em casa. O cuidado domiciliar é baseado no princípio de que o paciente recebe a assistência pela família que, mesmo leiga, é orientada e supervisionada por uma equipe qualificada na área da saúde. Por esse motivo destaca-se a importância da família em encontrar um apoio sólido dos profissionais, através do ensino, educação, treinamento e orientação sobre o cuidado que deverá prestar ao doente, de forma padronizada, de preferência escrita e formal, a fim de garantir a qualidade do entendimento (P13, P14 e P15).
Outros estudos sobre a vivências dos familiares com o câncer também destacam a falta de informação como uma dificuldade amplamente encontrada, tal situação poderia ser amenizada através de orientações básicas sobre o cuidado(2,16-17). O medo do desconhecido é citado também na literatura, uma vez que tal insegurança gera na família sentimentos de incapacidade ao desempenhar uma função nunca antes exercida(2).
No decorrer da experiência vivenciada pela família do doente com câncer que recebe cuidado domiciliário, os artigos também destacaram obstáculos como à falta de informações dos profissionais sobre o cuidado, além das dificuldades financeiras e alterações no cotidiano. A vida da família e do doente passa por várias transformações em decorrência do diagnóstico e tratamento; é confrontada com uma gama de vicissitudes difíceis de serem compreendidas no início, requerendo a adaptação lenta e progressiva a uma nova rotina, na qual as exigências e demandas passam a fazer parte do cotidiano familiar. Dessa forma, o doente e sua família precisam de um tempo para trabalhar seus sentimentos e delinear novas perspectivas de vida (P2, P8, P12 e P16).
Segundo alguns pesquisadores dessa temática, experienciar o cuidado domiciliário gera sentimentos diversos, o impacto de tais sentimentos acarretam mudanças significativas no contexto familiar(2). Mudanças pessoais, ambientais e relacionais, que podem se tornar mais e mais complexo na medida em que a doença progride, gerando inseguranças, incertezas e vulnerabilidades que podem influenciar de forma negativa nos cuidados prestados(2).
Assim, esses mesmo autores complementam que a falta de informações, os problemas financeiros e a falta de ajuda podem se tornar agentes estressores para a família e por esse motivo necessitam ser previstos pelos profissionais de saúde, a fim de se evitar maiores conflitos(2).
Ao discorrer sobre a experiência da família do doente com câncer cuidado no domicílio, as publicações discorreram também sobre a importância da espiritualidade para entender o sofrimento e enfrentar a angústia do câncer, relatando que a espiritualidade é um suporte fundamental nos momentos de maior desespero; nessa mesma linha, os estudos enfatizaram a experiência da família ao vivenciar o momento do diagnóstico de neoplasia, destacando os sentimentos de angústia, tristeza e incerteza com o futuro, porém um desejo amplo de estar com o doente nessa batalha (P1, P14 e P15).
Outras pesquisas apontam que nos momentos de angústia exacerbada, famílias e doentes buscam forças na religiosidade/espiritualidade para enfrentá-los, assim, muitos se sentem acolhidos pela proteção de um ser superior que os ouve e os auxilia no enfrentamento das dificuldades(2,7).
Houve menção sobre a experiência de lidar com a morte em uma publicação. Embora todas as pessoas tenham certeza de que a morte ocorrerá um dia, a consciência da própria morte reside no cotidiano por meio da ocorrência da morte dos outros, dessa forma, ser um doente com câncer para muitos é sinônimo de morte e ainda hoje é possível encontrar pessoas que devido à gravidade da doença temem até o pronunciar da palavra câncer. Muitas famílias ao experienciar o cuidado paliativo ao doente oncológico não possui condições de falar sobre o que a morte representa (P9).
Achados na literatura destacam que quando a morte se manifesta de forma real no âmbito familiar, o processo de cuidado pode exacerbar conflitos pré-existentes na família(2) e apesar da morte ser um processo normal da evolução de todo ser humano, o sentimento de que ela é inevitável gera dor, sofrimento e dificuldade de aceitação na família e no doente(6).
A adaptação da vida familiar com o doente oncológico foi demonstrada por meio de maior preocupação com a adaptação emocional do binômio doente-família, sugerindo a importância do suporte, do diálogo e da orientação por parte dos profissionais para amenizar o sofrimento da família, ao se deparar com o diagnóstico de câncer (P4, P5, P7, P13, P15 e P16).
Os artigos relatam que a motivação que leva a família a cuidar de um doente em casa é variada, mas a obrigação e o desejo de retribuir são os principais agentes motivadores, e compreender essas motivações demonstram como a relação do binômio família-doente é dinâmica e subjetiva, revelando, dessa forma diferentes os significados dessa experiência (P2, P3, P10 e P11).
A literatura menciona diversas motivações que determinam a decisão de cuidar, sejam motivações pessoais ou familiares, o optar por cuidar é baseado na confiança e no apoio, ou seja, muitas vezes, a vontade de apoiar o doente desencadeia nos familiares o desejo de desempenhar esse papel nunca antes realizado e quando esse sentimento vem acompanhado de amor e respeito não há necessidade de motivações externas(2). O sentimento de amor no cuidar pode ajudar a amenizar o sofrimento da família além de trabalhar os medos e as emoções, uma vez que se transformam em manifestações de respeito e de solidariedade(2).
Segundo esses autores ainda, a escolha de um cuidador pode ser definida pelos demais membros da família, por dispor de mais tempo, por sofrer menos interferências na rotina, por gratidão ou recebimento de bens, ou por falta de opção, assim, em muitas situações a obrigatoriedade de cuidar pode ser inesperada(2).
Por fim, as publicações destacaram a importância dos profissionais estarem atentos à família e reconhecer as suas necessidades, tanto com relação aos desgastes físicos, como também psicológicos que o cuidar em domicílio impõe. Dentre esses estudos, apenas um coloca a necessidade de oferecer educação à família e ao doente sobre sua doença e principais cuidados (P7). Isso demonstra a importância de novas pesquisas serem executadas nessa temática, pois o cuidado domiciliar só poderá ser executado com qualidade e eficiência se a família e/ou o doente tiverem pleno conhecimento do que estão fazendo, como estão fazendo e porque estão fazendo, e tais informações poderiam fazer parte de um guia escrito e/ou de uma conversa entre família/doente e profissional de saúde, que serviria de base para os familiares recorrerem nos momentos de dúvidas durante a prestação dos cuidados (P4, P7, P10, P15 e P16).
Versando sobre a assistência domiciliar dentro da estratégia de saúde da família, autores destacam a importância dos profissionais de saúde estarem atentos à realidade de vida do doente cuidado no domicílio, destacando a necessidade de conhecer seus vínculos e suas delimitações, preocupando-se inclusive com o que a comunidade ao seu redor pode lhe oferecer de suporte(17). Tal assistência deve ser baseada na total interação do profissional com o paciente e sua família, planejando ações e interações com a família, observando o fator sócio-econômico-cultural-espiritual da família(17)
Assim, para a realização de uma assistência integral os profissionais precisam ter uma perspectiva relacional e interativa, para desenvolver ações diferenciadas e inovadoras na construção da saúde, considerando os contextos domiciliares, reconhecendo e trabalhando as diferenças(17).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta revisão demonstrou que há escassez de publicações sobre como a família do doente com câncer experiencia o cuidado domiciliário. Em contrapartida, aumenta o número de pessoas portadoras de doenças crônicas degenerativas, como o câncer, e que em sua grande maioria necessitarão da continuidade e complementação do tratamento no domicílio.
Os cuidados prestados pela família, bem como a segurança com que são executados dependem da orientação e apoio da equipe de saúde, não apenas ensinando, mas atentando-se para as dificuldades que a família poderá apresentar, a fim de preveni-los. Nesse caso, o termo “dificuldades” não se limita apenas àquelas encontradas na prática do cuidado, mas também o desgaste que a família enfrenta ao conviver com o câncer, as debilidades que o doente apresenta decorrente da doença, a fragilidade dos serviços de saúde no preparo para a alta hospitalar, dentre outras.
Frente a isso, algumas sugestões podem ser ressaltadas: a importância de o enfermeiro conhecer como se dá o processo saúde-doença, mormente no câncer, e considerar as reais necessidades da família nesse processo; a formulação de um guia de cuidados ao doente oncológico para auxiliar a família no esclarecimento das principais dúvidas; o planejamento de uma educação continuada junto aos profissionais enfermeiros e intervenções educativas junto à família visando instrumentalizá-la para o cuidado no domicílio. Além disso, há a necessidade do desenvolvimento de pesquisas e ações que delimitem a participação da família e do profissional no cuidado domiciliário ao paciente com câncer, minimizando a sobrecarrega com a execução de procedimentos que exijam conhecimentos técnico-científicos além de suas capacidades e possibilidades.
Prover suporte aos doentes oncológicos e seus familiares é parte do cuidado integral fornecido pelos enfermeiros. Para que a enfermagem venha cooperar substancialmente na trajetória que o câncer impõe à família, é importante dispor de instrumentos que ajudem na identificação das prioridades no cuidado, principalmente no domicílio.
É importante salientar que no decorrer dessa pesquisa deparamos com algumas limitações em sua execução. O fato das publicações serem fundamentadas na metodologia qualitativa dificultou a execução de uma análise objetiva que formulasse evidências a serem descritas como resultado. Assim, optou-se pela execução de uma análise descritiva que melhor atendesse nosso objetivo.
Há dificuldade no desenvolvimento de revisões baseadas em achados qualitativos e controvérsias quanto à maneira de sumarizar e integrar resultados qualitativos, uma vez que não há dados numéricos e a obtenção de tais achados pode se dar de diversas maneiras. Acreditamos que essa não deve ser uma questão que inviabilize a utilização na prática dos conhecimentos oriundos de pesquisa qualitativa.
Apesar dessa dificuldade apontada, as pesquisas precisam ser direcionadas à compreensão das reais necessidades da família durante o tratamento, a fim de possibilitar oferecer o suporte necessário tanto para o doente como para sua família. Esse reconhecimento permite o planejamento do cuidado de forma coerente e adequada, bem como ajuda a direcionar as áreas de intervenções que precisam ser desenvolvidas, testadas e implementadas.
Com o avanço da ciência e da tecnologia, as intervenções aos doentes com câncer têm aumentado, por isso, os enfermeiros precisam atentar-se a essa situação, a fim de melhorar a qualidade de vida do binômio doente e família.
Como forma de minimizar as dificuldades apontadas, sugerimos a realização de uma metassíntese seguindo os pressupostos do Joanna Briggs Institute Model, na qual a ênfase se dá na interpretação dos resultados de pesquisas, com o objetivo de considerar similaridades e diferenças na linguagem, nos conceitos e nas imagens que permeiam uma determinada experiência, ampliando as possibilidades interpretativas dos achados e construindo narrativas amplas ou mesmo teorias substantivas, ampliando as possibilidades e permitindo a avaliação do impacto das pesquisas qualitativas nessa temática e o reconhecimento de tendências teóricas e metodológicas, bem como a avaliação de sua utilidade para a prática.

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Artigo recebido em 08.03.2010.
Aprovado para publicação em 21.06.2011.
Artigo publicado em 30.06.2011.

Fonte: http://www.fen.ufg.br/revista/v13/n2/v13n2a21.htm

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